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Palmeiras 1985: A Inusitada Conquista no Peru e o Destino de um Troféu Quebrado

Por Redação FutVerdão em 14/08/2025 11:11

Na vasta galeria de títulos do Palmeiras, o "Troféu Cidade de Lima" de 1985 ocupa um espaço peculiar, quase encoberto pelo véu do tempo e das circunstâncias atípicas que o cercaram. Conquistado em um amistoso contra a seleção do Peru, este prêmio não apenas simboliza uma vitória em campo, mas também um capítulo controverso da história alviverde, marcado por descontentamento, logística improvisada e, tragicamente, um ato de vandalismo anos mais tarde que o reduziu a meras recordações.

A recente volta do clube a Lima, agora para um embate decisivo nas oitavas de final da Conmebol Libertadores 2025 contra o Universitario, serve como um convite à reflexão sobre este passado pouco explorado. Para reconstituir os fragmentos dessa jornada, foi necessário vasculhar arquivos de jornais da época, depoimentos de ex-atletas e memórias esparsas, revelando os bastidores de uma façanha que, embora modesta, espelha a resiliência de um elenco.

Os Desafios Financeiros e a Viagem Inesperada

Retornando quatro décadas no tempo, o cenário do Palmeiras em março de 1985 era desolador. O clube enfrentava uma dívida exorbitante de 2 bilhões de cruzeiros, considerava a venda de jogadores e vivia um ambiente de profunda desmotivação, exacerbado por uma sequência de dez partidas sem vitória. A classificação para a segunda fase da Taça Ouro parecia uma miragem distante.

Apesar do panorama sombrio, o técnico Mário Travaglini, já falecido, mantinha uma chama de esperança. Em relato da Tribuna da época, ele expressava:

Sinto que todo este azar e essa inibição vão desaparecer com uma única vitória.

Foi nesse contexto de urgência e busca por um alento que, em 29 de março, durante a folga dos atletas, Travaglini se reuniu com o presidente Nelson Duque. O encontro, que deveria focar na campanha do time, revelou um ponto crucial: o treinador manifestou sua insatisfação por a diretoria ter acertado um amistoso com a seleção do Peru, em Lima, sem qualquer consulta prévia.

A Logística Improvável e a Ironia de Leão

Travaglini desejava aproveitar o tempo para "treinar melhor o time", mas os argumentos do presidente prevaleceram, impulsionados por uma necessidade financeira premente: o clube receberia 15 mil dólares pela partida. A realidade econômica daquele período era brutalmente diferente da atual, como bem recorda o ex-goleiro Martorelli:

Pagamento o Palmeiras raramente atrasava. Mas não era a estrutura que tem hoje. Moro em São Caetano e ia para o Parque Antártica, a gente pegava o ônibus para treinar no clube de campo, em Parelheiros. Eram 3h para ir e 3h para voltar. A Adidas dava duas camisas por ano, e eu, como goleiro, se rasgava a calça, tinha que costurar. Mas também eram salários baixos, o que a época gerava de recurso. Era outro mundo, não se compara.

Sem alternativas viáveis e com a premência do dinheiro, o Palmeiras embarcou em uma verdadeira maratona logística, um verdadeiro teste de resistência para o elenco :

Dia da Semana Evento Local
Domingo Enfrentou o Vasco Rio de Janeiro
Terça-feira Viagem ao Peru Lima
Quinta-feira Amistoso com a Seleção Peruana Lima
Sexta-feira Retorno ao Brasil São Paulo
Sábado Enfrentou o Internacional Pacaembu

Não houve sequer tempo para treinos antes do confronto com o Internacional. A vitória sobre o Vasco, que rendeu um prêmio de 500 mil cruzeiros aos atletas, teve sua comemoração ofuscada pela preocupação com o desgaste da viagem iminente, conforme relatado pelo jornal Cidade de Santos. Emerson Leão, então goleiro titular, expressou a situação com sua característica ironia, sem, contudo, demonstrar reclamação:

A viagem para o Peru é gozada, embora seja de verdade. Quem sabe assim eu vou conhecer Machu-Pichu.

O Confronto em Lima e as Memórias dos Atletas

A delegação, composta por 24 pessoas, incluindo 17 jogadores, cinco membros da comissão técnica e dois dirigentes, desembarcou em Lima em meio à preparação da seleção peruana para a Copa do Mundo de 1986. A realização de amistosos entre clubes e seleções era uma prática comum na época. O ex-lateral-esquerdo Denys, que uma década depois atuaria no Alianza Lima, recorda a qualidade do adversário:

A seleção peruana sempre foi muito técnica, principalmente naquela época. Gostavam muito do futebol brasileiro, e para nós foi legal, porque ainda era jogar contra uma seleção.

Enquanto Denys focava na qualidade técnica, o ex-lateral-direito Nenê guarda uma lembrança mais pessoal e comovente daquela viagem. Mais do que os minutos em campo, ele recorda o encontro com um torcedor:

Até emociono, porque na época a gente recebia muitas cartas dos torcedores e um peruano, lembro o nome até hoje, Edgar, mandava cartas pedindo uma camisa, quase toda semana. Quando terminou o primeiro tempo, ele estava no alambrado na cadeira de rodas. Tirei minha camisa, dei a ele, abracei. Eu não aguentei, chorei. Para mim foi mais que um troféu.

A partida em si terminou em um empate por 1 a 1. O Palmeiras abriu o placar aos 37 minutos com o centroavante Hélio, mas o cansaço abateu o time, que recuou, permitindo o empate peruano aos 6 do segundo tempo, com Navarro. Martorelli assumiu o gol na maior parte do jogo, substituindo Leão, que sofreu uma luxação em dois dedos da mão logo no início do confronto.

Martorelli ainda recorda detalhes peculiares da experiência:

Uma coisa que eu lembro era que a trave do estádio era quadrada ainda, uma madeira quadrada, não tinha esse aspecto arredondado de ferro como é hoje. Foi tudo atípico. Não tinha voo de volta, ficamos esperando e treinávamos no teto do hotel que a gente ficou, teto de cimento mesmo, fazendo exercício físico.

Ele, inclusive, é a figura central em uma das raras fotografias da época, capturada no saguão do aeroporto de Guarulhos, com seu filho nos braços, no retorno da delegação que trazia "um troféu com quase um metro de altura", conforme descreveu o jornal Cidade de Santos, sem, contudo, exibir a imagem da própria taça.

O Trágico Destino de um Símbolo: O Vandalismo de 1990

A descrição da taça, assim como sua presença física, tornou-se uma raridade. O Troféu Cidade de Lima, oferecido ao Palmeiras após o empate, foi uma das peças danificadas no lamentável ato de vandalismo à sala de troféus do clube em 1990. Naquela ocasião, membros da própria torcida, em um surto de fúria e desilusão, destruíram parte do acervo após o Palmeiras empatar com a Ferroviária, já eliminada e lanterna da chave, e perder a chance de ir à final do Campeonato Paulista.

Algumas das taças atingidas sofreram apenas pequenas avarias e puderam ser restauradas, enquanto outras foram irremediavelmente destruídas. A Taça Cidade de Lima, infelizmente, deixou de existir nos arquivos físicos do clube, restando apenas as memórias e os poucos registros históricos para contar a saga de sua conquista e seu triste fim. A história desse troféu, portanto, é um lembrete vívido de que a glória no esporte é forjada não apenas nas vitórias, mas também nas adversidades e na perseverança diante dos desafios, mesmo que o reconhecimento material se perca no tempo.

Escalações em Seleção do Peru x Palmeiras (1985)

Seleção do Peru Palmeiras
Acasuzo Leão (Martorelli)
Rojas Nenê
Requena Polozi
Eugênio Vagner Bacharel (Ditinho)
Castulo Paulo Roberto (Denys)
Valencia Carlos Alberto
Velasquez Jorginho (Otávio)
Cueto Rocha
Malasquez Hélio (Gilcimar)
Navarro Barbosa
Hirano (La Rosa) Sérgio

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Marcelo

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Comentado em 14/08/2025 15:31 Ir no Peru só pra pegar uns trocados e ainda trazer troféu? Slk, Palmeiras é sem noção kkkk
Fábio

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Comentado em 14/08/2025 13:21 Palmeiras sempre na raça, até lá em Lima mostrando porque é gigante! Vai Verdão, fé na Libertadores!
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