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Abel Ferreira no Palmeiras: O Legado Sob Pressão e a Metáfora dos Ciclos
Por Redação FutVerdão em 06/12/2025 05:11
De uma perspectiva única, diretamente do Rio de Janeiro, reflito sobre os recentes acontecimentos que envolveram o Palmeiras, e as reverberações que inevitavelmente recaem sobre o trabalho do técnico Abel Ferreira. A turbulência sentida nesta última semana, marcada por um revés na Libertadores e a perda da liderança no Campeonato Brasileiro, trouxe à tona uma onda de questionamentos e cobranças intensas, que parecem ignorar o panorama mais amplo de sua gestão.
Foi precisamente neste período de efervescência no cenário esportivo que presenciei um fenômeno natural extraordinário no Jardim Botânico: o florescimento das palmeiras-talipot. Uma espécie que aguarda aproximadamente seis décadas para exibir, em um único e derradeiro ato, sua exuberância floral, antes de sucumbir. A singularidade desse evento ? a culminação de um ciclo de vida em um momento preciso ? ressoou em minha mente como um paralelo impactante à situação vivenciada por Abel.
Enquanto a talipot seguia seu percurso biológico com uma precisão inquestionável, o ambiente do futebol, e especificamente o do Palmeiras , parecia operar em uma temporalidade distorcida. A natureza demonstra uma paciência e um respeito pelos seus próprios ritmos que o esporte, impulsionado pela sede insaciável por êxitos, parece incapaz de emular. Esta disparidade entre o ciclo natural e a incessante demanda por vitórias no futebol tornou-se uma poderosa metáfora.
A Pressão Incessante: O Fardo de Abel Ferreira
É notório que o universo do futebol impõe a Abel Ferreira um padrão de exigência que raras figuras conseguem suportar. A expectativa de um desempenho vitorioso ininterrupto, a busca por inovações constantes e a necessidade de resultados instantâneos criam um cenário de pressão quase insustentável. Contudo, a lição da talipot sugere que a verdadeira excelência não reside na perpetuação eterna da grandeza, mas sim na capacidade de discernir quando um ciclo de trabalho requer um novo fôlego, um período de introspecção e uma eventual reconfiguração. Isso, em vez de um sinal de declínio, manifesta uma profunda maturidade.
Ao longo de minha própria jornada profissional, que, de maneira análoga, lida com elementos que florescem e se desvanecem, compreendi que a essência da questão não está na manutenção perpétua de um apogeu, mas na sagacidade de reconhecer os pontos de inflexão. Esta percepção contrasta veementemente com a cultura de cobrança imediata que permeia o futebol brasileiro, onde a paciência é um recurso escasso e a memória dos feitos passados, muitas vezes, é efêmera.
O Legado de um Projeto: Além dos Troféus
Em meio a uma palestra sobre "mapas afetivos, memória e futuro", onde compartilhava minhas ideias com uma audiência atenta que incluía nomes como Chico Diaz e Silviano Santiago, meus pensamentos convergiram para a magnitude do que Abel Ferreira edificou no Palmeiras . Sua gestão transcendeu a mera busca por títulos; ele implementou uma disciplina rigorosa de projeto, forjou uma identidade de jogo inconfundível e elevou o patamar de exigência de todo o clube. Mais do que conquistas pontuais, ele estabeleceu uma verdadeira cultura, um "modo de existir" que poucos treinadores conseguem imprimir.
No entanto, a recente sequência de resultados adversos parece ter levado grande parte do país a uma amnésia coletiva, relegando ao esquecimento todo o arcabouço construído por ele. As derrotas, em uma inversão de lógica, são agora integralmente atribuídas ao seu comando, desconsiderando a complexidade inerente ao esporte e a trajetória vitoriosa que o antecede.
Contudo, a visão da palmeira-talipot em seu gesto único e irrepetível de florescimento me revelou uma perspectiva diferente: a de que empreendimentos de sucesso, embora possam florescer continuamente, necessitam de pausas, de momentos de quietude para se revitalizarem e permanecerem vibrantes. O que foi alcançado por Abel não pode ser desfeito por um par de resultados desfavoráveis. Na verdade, é precisamente nestes momentos de aparente adversidade que o futuro de seu trabalho pode começar a ser delineado com maior clareza e solidez.
Desafios do Futebol Brasileiro e a Visão do Colunista
A voz da crítica aponta que Abel teria persistido excessivamente em suas convicções, negligenciado sinais de desgaste ou até mesmo perdido o controle do vestiário. Embora possa haver alguma validade em tais observações ? ou não ?, o que frequentemente se omite é a realidade brutal de se treinar no Brasil: uma luta constante contra o relógio, contra um ambiente de alta pressão e contra a própria lógica natural dos processos. Mesmo diante de tais obstáculos, Abel Ferreira conseguiu criar um verdadeiro ecossistema de trabalho no Palmeiras .
A contemplação dessas palmeiras raras em seu ápice de florescimento foi, para mim, um presságio, um recado não apenas pessoal, mas também endereçado a Abel. Existem fases em que todo o esforço e as conquistas parecem desmoronar, mas, na verdade, trata-se apenas de um aviso da natureza de que um ciclo chegou ao seu termo, e outro está pronto para iniciar. Não com o intuito de obliterar o que veio antes, mas para assegurar que o legado construído não se esgote, mas sim se renove.
O Palmeiras , com sua história e sua paixão, encontrará novos caminhos para florescer. E, de maneira análoga, Abel Ferreira, com sua resiliência e sua visão estratégica, também ressurgirá com renovado vigor. A continuidade de um projeto não se mede apenas em troféus, mas na capacidade de adaptação e reinvenção frente aos inevitáveis ciclos da vida e do esporte.
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